Anna Valéria Gueldini
Métodos contraceptivos x Performance esportiva

Você sabia que o Brasil é o segundo país do mundo que mais tem academias de ginástica?
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos países que investem em academias, ficando atrás apenas dos EUA. Além disso, a participação feminina em esportes aumentou de forma expressiva: é possível notar uma predominância de mulheres nas academias, além da participação em maior número de mulheres em corridas de rua. Apesar do grande aumento do número de mulheres no esporte, ainda é escassa a literatura sobre aspectos anatômicos, psicológicos e principalmente hormonais que afetam o desempenho das mulheres praticantes de exercício físico. No universo esportivo feminino, você se considera atleta amadora ou de alta performance?

Você sabe a diferença entre atleta recreacional e atleta de alto rendimento?
Por definição, atleta recreacional é qualquer indivíduo que pratique esporte no seu tempo livre, como hobbie, independentemente de suas motivações e objetivos. Atleta de alto rendimento ou de alta performance é aquele que se prepara fisicamente para determinada modalidade esportiva, visando competição e índices.

Nos últimos anos, o número de mulheres que começaram seus treinos como atletas recreacionais e que procuraram melhorar resultados nos esportes de endurance e de força tem aumentado bastante. Não é raro hoje em dia nos depararmos com mulheres que seguem dietas rigorosas, conciliam planilhas com seu trabalho e afazeres domésticos e ainda treinam com a rotina e o rigor de um atleta de alto rendimento. Devido ao alto nível de preparo físico e psicológico dessas mulheres, muitas se perguntam qual ou quais seriam os melhores métodos contraceptivos com o objetivo de manutenção ou aumento de performance. Afinal, existe alguma influência do ciclo menstrual, dos hormônios femininos e dos anticoncepcionais na performance esportiva feminina?

Mulher de fases
A mulher atleta encara uma verdadeira competição com o próprio corpo durante o período menstrual.

As flutuações causadas pelo ciclo menstrual e suas diferentes fases podem causar transtornos físicos e psicológicos durante a prática desportiva, desde a maneira como mulheres se movem e se adaptam ao treinamento, até o modo como elas pensam e se sentem. Amenizar, por exemplo, os sintomas da tensão pré-menstrual, como cólicas, compulsão alimentar, alterações de humor e inchaço, pode auxiliar a um melhor rendimento esportivo, seja ele recreacional ou de alta performance.

Várias atletas femininas notáveis já ​​discutiram publicamente o impacto de seus ciclos menstruais no desempenho atlético: nos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, uma nadadora da China observou que sua performance foi afetada pelo período menstrual porque se sentia cansada e fraca; em uma das edições do Australian Open, uma tenista britânica citou “coisas de garotas” como uma razão pela qual ela estava se sentindo cansada durante a competição.

Essas histórias causaram uma certa agitação, com pessoas questionando a validade das alegações: afinal, o que a ciência nos diz através das atuais evidências sobre desempenho esportivo x ciclo menstrual de uma mulher?

Alterações hormonais e suscetibilidade a lesões
As alterações hormonais fisiológicas (naturais) ao longo do ciclo menstrual podem desempenhar um papel na maior suscetibilidade de algumas lesões esportivas.
Músculos, tendões e ligamentos possuem receptores de estrogênio e, durante o ciclo menstrual, tanto a estrutura como a função desses tecidos podem mudar. Embora não esteja totalmente claro por que essas mudanças acontecem, existe uma teoria de que, à medida que o estrogênio aumenta, os ligamentos e tendões tendem a uma maior frouxidão, o que pode causar instabilidade. Também foi descoberto que, durante o ciclo menstrual, as mulheres mudam a maneira como controlam seus movimentos, que, juntamente com a instabilidade do tecido, podem levar a um maior número de lesões.

Mulheres são duas a nove vezes mais propensas a experimentar uma ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho e duas vezes mais propensas a um entorse de tornozelo se comparadas a atletas do sexo masculino.

Os níveis e a percepção da dor também podem mudar ao longo do ciclo menstrual, o que pode afetar o desempenho de algumas mulheres. Controlar ou até mesmo interromper o ciclo menstrual através do uso de contracepção hormonal pode ser uma medida interessante.

Muitas mulheres acreditam que usar anticoncepcional promova ganho de gordura e prejudique o ganho de massa muscular. Será que isso é verdade?

Músculos x gordura
Existem dois grandes problemas que os médicos enfrentam quando tratam de mulheres ativas, preocupadas com performance esportiva. O primeiro é que existe uma grande variabilidade para cada mulher na quantidade de hormônios circulantes durante o ciclo menstrual – o que significa que algumas mulheres podem ser mais suscetíveis às alterações causadas por hormônios, porque apresentam maiores mudanças na concentração hormonal no sangue. Segundo, todos os métodos contraceptivos hormonais evitam uma gravidez indesejada em taxas muitos semelhantes quando bem utilizados, mas há uma enorme variedade de hormônios, bem como várias possibilidades de combinações (ou não combinação) entre eles, dificultando a comparação entre os estudos científicos existentes e a extrapolação dos mesmos para a população feminina geral. Resumindo, nem as mulheres estudadas nem os vários tipos de contraceptivos hormonais têm um perfil hormonal semelhante. E o que se sabe até agora?

A composição corporal é um determinante importante do desempenho atlético. O excesso de massa gorda pode prejudicar o desempenho na alta performance, afetando negativamente a relação peso/potência, reduzindo a velocidade e a agilidade, gerando uma maior sobrecarga articular, limitando a disponibilidade de massa magra nos esportes da categoria de peso e dificultando os esportes estéticos.

O anticoncepcional oral combinado (pílula) aumenta a produção de SHBG (globulina ligadora dos hormônios sexuais) pelo fígado, diminuindo assim a testosterona livre. Isso pode impactar diretamente no percentual de gordura corporal, reduzindo a taxa metabólica basal, aumentando a deposição visceral de gordura, aumentando as concentrações de hormônios estimulantes do apetite e reduzindo as concentrações de hormônios que promovem a saciedade. A combinação desses fatores sugere que o uso de contraceptivos poderia resultar em ganho de peso. Mas curiosamente, isso não foi demonstrado em atletas.

Com relação a força muscular, sabe-se que muitas variáveis podem interferir na análise individual, como genética, memória muscular, aporte proteico nutricional, horas de treino, horas de sono… Em um estudo recente realizado por pesquisadores espanhóis foram avaliadas mulheres com e sem uso de anticoncepcional oral, que foram submetidas aos mesmos treinos e à mesma dieta durante 8 semanas. Além de não serem observadas diferenças significativas em resultados de performance ou composição corporal entre os grupos, no grupo das usuárias de pílula foram observados ganhos significativos de massa magra. E eles concluíram que o ambiente hormonal “alterado” em usuárias de contraceptivos hormonais não demonstrou ter efeito sobre a força muscular.

Quando se pensa em performance esportiva, é importante lembrar que ela engloba vários aspectos, como as variáveis motoras (força e capacidade aeróbia), a capacidade de recuperação muscular, além da saúde e o bem estar da mulher atleta.

Um resumo dos efeitos dos contraceptivos hormonais nos determinantes do desempenho atlético, de acordo com as evidências atuais:

 

Determinantes da performance atlética Métodos contraceptivos hormonais
Composição corporal Dados conflitantes, porém, sem aparente prejuízo para atletas
Ganho de massa magra Dados conflitantes, porém, sem aparente prejuízo para atletas (efeito positivo ou negativo aparentemente depende do tipo de progesterona utilizada)
Força muscular A maioria dos estudos conclui não haver aparentes efeitos agudos dos contraceptivos orais combinados na força muscular. Porém, a recuperação muscular parece piorar um pouco nas usuárias de contracepção hormonal oral
Captação de oxigênio Os contraceptivos orais combinados trifásicos podem reduzir o VO2máx, embora isso seja menos aparente em atletas treinadas. Os contraceptivos hormonais monofásicos não alteram a capacidade aeróbia
Testes de performance Os contraceptivos orais combinados não parecem afetar agudamente a capacidade de exercício ou os testes de desempenho

Adaptado de Martin D & Elliott-Sale K, 2016 e Romance, 2019.

 

Como então escolher o método anticoncepcional?
A escolha do tipo de contracepção é algo muito pessoal e depende muito do momento da vida feminina. E o uso de contracepção hormonal pode minimizar os efeitos negativos do ciclo menstrual, potencialmente melhorando a performance.

Na vida da mulher atleta, torna-se fundamental a orientação médica, para que sejam abordadas todas as vantagens e desvantagens de cada método em detrimento aos objetivos esportivos a serem alcançados. Conheça um pouco mais sobre cada método.

Características dos diferentes tipos de contraceptivos hormonais: 

TIPO FORMULAÇÃO VIA DE ADMINISTRAÇÃO FREQUÊNCIA HABITUAL DE USO
Anticoncepcional combinado oral Estrogênio e Progestagênio

(vários tipos e combinações)

Via oral, em forma de pílulas 21 dias / pausa 7 dias

24 dias / pausa 4 dias

Uso diário contínuo

Mini pílula  Somente progestagênio Via oral, em forma de pílulas Uso diário contínuo
Adesivo anticoncepcional Estrogênio e Progestagênio Via transdérmica, em forma de adesivo 3 semanas de uso 

(1 adesivo por semana)

Pausa de 7 dias

Anel anticoncepcional vaginal Estrogênio e Progestagênio Via vaginal, em forma de anel de silicone Inserido dentro da vagina pela mulher, o anel deve ficar ali 3 semanas. Pausa de 7 dias.
Anticoncepcional combinado injetável mensal Estrogênio e Progestagênio Via intramuscular 1 injeção mensal
Anticoncepcional injetável trimestral Somente progestagênio Via intramuscular 1 injeção a cada 3 meses
Dispositivo intrauterino* Somente progestagênio (levonorgestrel) Via uterina Dura até 5 anos após inserção pelo médico
Implante subcutâneo** Somente progestagênio (etonogestrel) Implante subdérmico Dura até 3 anos após inserção pelo médico

* o DIU sem hormônio (de cobre ou de prata) tem validade de até 10 anos após a inserção e não controla os sintomas menstruais, podendo, em algumas mulheres, aumentar o volume de sangramento durante as menstruações.
** o implante subcutâneo de etonogestrel não deve ser confundido com o “chip” da beleza, que contém gestrinona e outros compostos manipulados.

 

I want it all and I want it now!

Doping no esporte recreacional: você sabia que 1 em cada 5 praticantes já fez uso de substâncias proibidas?

Ganhar massa muscular não é fácil, independente do uso ou não de método contraceptivo hormonal. 

A busca incessante de um corpo atlético e mais atraente, muito disseminada nas academias e redes sociais, faz a gente se deparar cada vez mais com mulheres jovens, que optam pelo uso de substâncias anabólicas, sem indicação e/ou orientação médica. O resultado é rápido e sedutor. Mas as consequências a curto, médio e longo prazo podem ser desastrosas. Imagine uma atleta que faz uso dessas substâncias em busca de um corpo mais firme, com melhor performance e acaba perdendo cabelo, desenvolvendo acne, apresentando irregularidade menstrual, engrossando a voz e aumentado o clitóris…

Vale lembrar que o uso de substâncias anabólicas como a testosterona e seus derivados é considerado doping pela Agência Mundial Antidoping (WADA) e, portanto, absolutamente não recomendado para atletas. 

Conhecimento é poder!

Atletas do sexo feminino devem conhecer todas as opções de contracepção disponíveis e o possível impacto (positivo ou negativo) da sua escolha na modalidade esportiva praticada. E qual o melhor método anticoncepcional para a mulher atleta? 

O Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) recomenda que as atletas que desejam usar pílulas, que optem por um tipo de contraceptivo hormonal monofásico. Contudo, os fisiologistas de alto rendimento, que costumam dosar níveis de cortisol, testosterona e SHBG para propor ciclos de treinamento, sugerem a escolha de pílulas com componente isomolecular, como o valerato de estradiol, a fim de não atrapalhar a avaliação de tais parâmetros. Se a atleta não deseja menstruar, pode-se optar pelo uso contínuo, sem pausa, do método escolhido. Lembrando que, atualmente, nenhum anticoncepcional é considerado doping.

Para as atletas que quiserem continuar a menstruar e não utilizar método hormonal, é importante ressaltar que o DIU sem hormônio (de cobre ou de prata) pode, em alguns casos, diminuir muito o seu desempenho no período que antecede a menstruação e durante o fluxo menstrual, que pode vir acompanhado de cólicas, dor pélvica, mastalgia (dor nos seios), edema (inchaço), alterações de humor e cansaço – a famosa TPM. As maratonistas e praticantes de esportes de alto impacto normalmente são as que mais sofrem nesse período, com queda importante do seu rendimento físico.

Já o DIU hormonal com levonorgestrel é atualmente uma excelente opção para suspender a menstruação, pois não apresenta grande impacto sobre a SHBG (não tem metabolismo hepático), mantendo os níveis de testosterona livre. 

Existem também os implantes contraceptivos subcutâneos (erroneamente conhecidos como “chips”). Uma das opções mais recomendadas para atletas é o implante de etonogestrel, que dura três anos, com a ressalva de que, em algumas pacientes, pode causar sangramento menstrual excessivo ou escapes esporádicos, por isso recomenda-se esse método nas mulheres com baixo fluxo menstrual. 

Na categoria dos implantes, vale ainda lembrar que o implante de gestrinona, também conhecido como “chip da beleza” é considerado doping pela WADA devido a sua ação androgênica e, portanto, absolutamente não recomendado para atletas.

Mulher informada, decisão compartilhada!

A avaliação e escolha do método contraceptivo deve ser individualizada e com equipe multidisciplinar, visando melhorar o desempenho físico, sem nunca perder de vista a saúde e a qualidade de vida das atletas.

Bons treinos!!!

 

Referências:
· Effect of the different phases of the menstrual cycle and oral contraceptives on athletic performance. Sports Med. 1993 Dec;16(6):400-30.
· Athletic performance and the oral contraceptive. Rechichi C, Dawson B, Goodman C. Int J Sports Physiol Perform. 2009 Jun;4(2):151-62.
– Oral Contraceptive Use does not Negatively Affect Body Composition and Strength Adaptations in Trained Women. Romance, 2019.
– The Effect of Oral Contraceptive Hormones on Anterior Cruciate Ligament Strength. Konopta, 2020.
· Physical Effects of Anabolic-androgenic Steroids in Healthy Exercising Adults: A Systematic Review and Meta-analysis. Andrews, 2018.
– Menstrual cycle associated modulations in neuromuscular function and fatigability of the knee extensors in eumenorrheic females. Ansdell, 2019.
– A perspective on current research investigating the effects of hormonal contraceptives on determinants of female athlete performance. Martin D & Elliott-Sale K. Rev Bras Educ Fís Esporte, (São Paulo) 2016 Out-Dez; 30(4):1087-96
– Anticoncepção hormonal combinada. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. Brito MB, Monteiro IM, Di Bella ZI
– Métodos anticoncepcionais reversíveis de longa duração. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. Finotti MC, Magalhães J, Martins LA, Franceschini AS.
– World Anti-Doping Agency. The world anti-doping code. Montreal:WADA, 2015. https://www.wada-ama.org/
– Medicamentos e suplementos nos exercícios e esportes: dopagem e antidopagem, orientações de uso, riscos à saúde, responsabilidade profissional. Conselho Federal de Medicina. – Brasília, DF: CFM, 2018.

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