E você, sentiu os efeitos da pandemia na sua vida sexual?
O surto de Covid-19 obrigou a população a adotar uma série de medidas sociais restritivas afetando negativamente suas vidas em vários aspectos. Devido às restrições de atividades e à falta de convívio social, é fácil imaginar que os problemas de humor, como ansiedade e depressão, tornam-se mais frequentes. Além disso, a possibilidade de situações de risco de vida frente a um inimigo invisível associada ao desemprego, a renda reduzida e a separação das famílias, podem fazer com que os indivíduos sofram mudanças únicas em seus comportamentos sexuais sob essa condição pandêmica sem precedentes.
Pensando em tudo isso, pesquisadores chineses publicaram recentemente um estudo intitulado “Changes in sexual behaviors of young women and men during the coronavirus disease 2019 outbreak: a convenience sample from the epidemic area”. Foram entrevistados 459 participantes com vida sexual ativa, com idade entre 18 e 45 anos, através de questionário. Desses, 270 eram homens e 189 eram mulheres. A maioria (72%) vivia com seu parceiro (a) e 55% relataram prejuízos financeiros consequentes ao surto de COVID-19. Um quarto dos entrevistados (25%) referiu redução do desejo sexual. Uma pequena parcela dos homens (18%) e das mulheres (8%) referiu aumento do desejo durante a pandemia. Com relação a frequência das relações sexuais, 37% referiu diminuição na frequência do ato sexual. E dentre aqueles que mantiveram-se sexualmente ativos, 32% dos homens e 39% das mulheres referiram menor satisfação sexual. O isolamento social reduziu a exposição de ambos os sexos às situações sexuais de risco. Os autores concluíram que, em geral, no auge da epidemia de COVID-19, tanto as atividades sexuais quanto a satisfação sexual de homens e mulheres jovens diminuíram. Menor desejo sexual e relacionamentos insatisfatórios com parceiros foram fatores significativos que afetaram as atividades sexuais.
Outro estudo realizado na Turquia, com um número bem menor de participantes (58 mulheres) também tentou descrever os efeitos da pandemia no comportamento sexual feminino (“Effect of the COVID-19 pandemic on female sexual behaviors”). Esse estudo observacional usou dados de um estudo anterior realizado antes da pandemia e comparou a frequência das relações sexuais, o desejo de gravidez, os domínios da função sexual feminina, o tipo de contracepção e as alterações menstruais entre as mulheres durante a pandemia com 6 a 12 meses antes da pandemia. As participantes foram contatadas por telefone para as perguntas.
Diferentemente dos dados obtidos na população da China, na Turquia, a frequência média de relações sexuais aumentou significativamente durante a pandemia em comparação com 6 a 12 meses anteriores (2,4 vs 1,9). Antes da pandemia, 32,7% das participantes desejavam engravidar, enquanto que durante a pandemia apenas 5,1% manteve esse desejo. Por outro lado, o uso de contraceptivos durante a pandemia diminuiu significativamente entre as participantes em comparação com os meses anteriores (24 vs 10). Os distúrbios menstruais foram mais comuns durante a pandemia do que antes (27,6% vs 12,1%). Com relação aos parâmetros da vida sexual, as pontuações que medem a qualidade sexual feminina foram significativamente melhores antes da pandemia em comparação com as pontuações durante a pandemia (20,52 vs 17,56), com menos orgasmo, menos excitação e menor satisfação sexual durante a pandemia. Apesar do número pequeno de participantes, esse estudo demonstrou que o desejo sexual das mulheres e a frequência das relações sexuais aumentaram significativamente durante a pandemia do COVID-19, enquanto a qualidade da vida sexual diminuiu significativamente. Além disso, demonstrou que a pandemia está associada à diminuição da intenção de engravidar paradoxalmente à redução no uso de contracepção feminina e ao aumento de distúrbios menstruais.
E o amor, como fica?
O amor também terá que se adaptar à essa nova realidade.
Sabe-se que a estratégia para evitar a disseminação do vírus é evitar aglomerações. E com isso, as oportunidades de quem está solteiro encontrar uma pessoa interessante, reduzem drasticamente. Em contrapartida, as mídias sociais e os aplicativos de relacionamento nunca foram tão utilizados.
Você já ouviu falar em sexting? O sexting vem se consolidando como uma prática cada vez mais comum entre os casais, especialmente em tempos de isolamento social. Recentemente o aplicativo “Happn”, que é um App de namoro, assim como o “Tinder”, divulgou resultados de uma pesquisa mostrando que os brasileiros já são praticantes de “sexting” durante a quarentena. Ou seja, 31% dos 1.117 brasileiros entrevistados confirmou que recebeu ou enviou mensagens, fotos ou vídeos eróticos por meios digitais durante o isolamento social, para esquentar o clima com os parceiros, mesmo que à distância. Portanto, os encontros pessoais, os beijos e a intimidade já sofreram algumas adaptações para esperar tudo isso passar. E vai passar! Vale lembrar que o sexting envolve consentimento de ambas as partes. Pessoas que enviam mensagens sexuais não solicitadas, como a imagem de seus órgãos genitais, não estão fazendo sexting e sim estão assediando sexualmente o destinatário. Até o presente momento, a ciência sobre a história natural da transmissão do COVID-19 ainda não evidenciou carga viral nas secreções do trato genital. Sendo assim, a transmissão pelo contato sexual é atribuída ao contato íntimo entre os parceiros. Algumas questões ainda não foram claramente respondidas, como a orientação específica da duração do afastamento sexual entre os parceiros das pessoas infectadas, bem como o tempo de eventual postergação de planos de gestação nessas pacientes, visando ao restabelecimento da saúde e bem-estar sexual na população. Por isso, torna-se muito importante lembrar da necessidade da manutenção de um método anticoncepcional seguro além do uso de preservativos.
É possível manter relações sexuais durante a pandemia? Durante esse difícil período, deve-se escolher práticas sexuais mais seguras. O melhor é manter o vínculo afetivo com seu parceiro(a), que atualmente mora com você e não se embrenhar num contato físico com um novo parceiro. Diante dos riscos, é discutível optar pela interação sexual pois as pessoas podem ficar assintomáticas por 14 dias, ou seja, nesse período podem ter a doença, transmitir o COVID-19 e não apresentar nenhum sintoma. As orientações sobre os cuidados com a saúde íntima devem ser os mesmos que antes da pandemia: recomenda-se a higiene íntima antes e depois das práticas sexuais. Carinhos, masturbação e relação sexual (pênis-vagina) apresentam menor risco de contágio, desde que com camisinha e sem beijos. Vale lembrar que o COVID-19 foi detectado na saliva e nas fezes das pessoas infectadas. Mas, até o presente momento, não há evidencias sobre a presença do vírus no sêmen ou na secreção vaginal.
E lembrem-se: o preconceito e a desinformação são inimigos muito piores do que o próprio vírus.
1. Li W, Li G, Xin C, Wang Y, Yang S, Changes in sexual behaviors of young women and men during the coronavirus disease 2019 outbreak: a convenience sample from the epidemic area,
The Journal of Sexual Medicine (2020), doi: https://doi.org/10.1016/j.jsxm.2020.04.380.
2. Yuksel B, Ozgor F. Effect of the COVID-19 pandemic on female sexual behavior. Int J Gynaecol Obstet. 2020, doi: https://doi.org/10.1002/ijgo.13193.
3. Recomendações sobre a precauçāo de contato sexual durante a Pandemia COVID-19. Comissão Nacional Especializada de Sexologia – FEBRASGO – 2020.